sexta-feira, janeiro 19, 2007

falando de coisas sérias- resposta a "eh meninos..."

Loures, 19 de Janeiro de 2007.


Meu muito querido Sr. Francisco,


Permita-me a ousadia do tratamento carinhoso que não afasta, bem pelo contrário pretende acentuar, o profundo respeito que o Senhor me inspira, por muito considerar a sua profícua idade.
Não sabe, meu querido Sr. Francisco, como admiro a sua firmeza de carácter, a natural irreverência que lhe é tão peculiar, a agilidade de pensamento, a capacidade de zurzir a torto e a direito, sempre que a nobreza da causa o incomoda.
Bem sabe, porque o sei capaz de ver para além do tempo e entender para lá da aparência humana, que o que acabo de dizer, é absolutamente sincero e não qualquer tentativa de o induzir a desculpar-me das minhas falhas, pois que não fujo ao reconhecer e assumir das minhas culpas.
Não era, acredite, minha intenção desconsidera-lo ou de algum modo causar-lhe melindre e se o fiz, ainda que inconscientemente, aqui lhe expresso as minhas mais sinceras desculpas.
Pressinto que lhe agrade em tudo sinceridade e tenho que lhe confessar que estou triste com o Senhor, porque há tempo lhe escrevi uma saudosa carta e não logrei obter resposta.
Sei que me considera lamechas e admito que o seja até por natureza, mas desde que sofro os efeitos secundários de uns medicamentos a que não posso escapar, o senhor nem sabe o quanto se me aguçou o sentir...
Mas também sabe o quanto me entrego por inteiro, na defesa de gentes, literalmente falando, de causas por inerência, de princípios por convicção, de sonhos por continuar a acreditar.
O meu escasso contributo na luta contra o sistemático incómodo que me habita, traduz-se na tentativa de pugnar pela defesa dos mais elementares direitos, liberdades e garantias, de quantos necessitando da defesa desses mais básicos princípios, acreditam que, de algum modo o posso fazer, a cada dia que passa; tão só isso.
Se lamechices de nada valem e efectivamente nada resolvem, abrir discussões teóricas sobre temas de um tamanho melindre, é coisa que deve caber a quem saiba do que fala e o faça de forma séria, contribuindo para combater clamorosas hipocrisias.
Que contributo poderia ser o da Surpreendida, meu querido Sr. Francisco ? Não é fugir ao tema, acredite, é tomar o tema por de tamanho melindre que me parece dever confinar-se, em última análise, à consciência de cada um.
Não me basta sobre o assunto ter ideias e as minhas emoções, não passam disso mesmo... que lhe podem dizer as emoções de uma Surpreendida, a quem circunstâncias da vida, do destino, sei lá, não permitiram concretizar o supremo sonho de ser mãe.
E não se tratou de falta de oportunidade ou dificuldade biológica, mas um filho não é só vontade de uma mãe, um pai, em tudo tem também que dizer... sabe quem me conhece o quanto me pesa nunca ter sentido vida em mim e como entendo ser o supremo encanto de uma mulher.
Quanto sofrimento não causará perder um filho, tamanho o desespero que a tanto tenha levado. Quem somos para o julgar ?
Sabe o Senhor o que até me dói ? Que muitos, tantos, demais, dos que nesta matéria se dizem a lutar pela vida, defendam as guerras, sejam a favor da pena de morte, não se incomodem com a perda de vida pela fome, de milhões e milhões de crianças... quanta hipocrisia meu querido amigo...
Agora reparo no testamento que para aqui vai... o tempo que lhe tomei à toa, tanto para poder dizer e nada dito... repare como falta à Surpreendida, voz com força capaz de abanar o mundo que a incomoda.
Fique bem meu querido Senhor Francisco, e permita que o oscule,

a sua