sexta-feira, janeiro 19, 2007

em jeito de desculpa- resposta a " eh meninos..."

Aveiro, 19 de Janeiro de 2007,

Caro trisavô

Tens toda a razão. Foi esquecimento, cru e nu. Não vale a pena relembrar-te o quanto me distraio com a família. Não que estejas ausente, mas porque sou assim. Impulsivo. A surpreendida picou-me e zás. Coisas de genética.( vamos lá a disfarçar esse sorriso...)
O teu desafio, querido trisavô, é bem mais complicado. Escrever sobre assuntos sérios, é cousa que merece reflexão e não irrequietudes d’alma. Escrever sobre a interrupção da vida, é tarefa gigantesca que precisa de convicções claras e eu neste e noutros assuntos, tropeço nos pontos de vista e fico zonzo sem saber muito bem qual o olhar que me define o querer. Para teres ideia da minha confusão e tentando ir de encontro ao que pretendes discutir, e para eu próprio não me confundir vou começar por separar as minhas indecisões sobre a interrupção voluntária da gravidez, da interrupção voluntária da vida , seja ela o suicido ou a eutanásia. Deste tema falarei mais tarde em cartas outras.
Assim e para teres a certeza inequívoca da confusão que voa nas minhas convicções vou enumerar as certezas a que já cheguei.

Ponto um: Sou e serei sempre ( eu que não gosto nada desta palavra , surge-me aqui perfeitamente desenhada) incapaz de julgar qualquer mulher que opte por interromper a gestação de uma vida que se desenvolva dentro de si ( alma incluída). Apesar desta certeza ficam casos de fora, pois se uma mulher o fizer sistematicamente, manifesta ela própria uma imensurável falta de respeito por si e pela vida, devendo ser, não digo que julgada, mas pelo menos, acompanhada de tratamento médico adequado.
ponto dois: Se fosse médico ( e por vezes tenho pena de o não ser , e são muitas as vezes) seria incapaz de fazer o acto, a não ser por questões de saúde quer do feto, quer da mãe.

Partindo do ponto um, sou levado a concluir que julgar ou punir uma mãe que decide por interromper a vida que gera dentro de si, é acto que me incomoda ( pesa ) a consciência. Não acredito que alguém consiga optar por acto tão drástico sem sofrer ela própria condenação e sofrimento, incapaz de ser quantificado ou avaliado por alguém que olha de fora. O que temos todos que ter em consciência é que interromper voluntariamente a gestação de um ser, não é, nem nunca poderá ser um acto contraceptivo. É para este aspecto que devemos canalizar toda a nossa atenção. A sociedade tem que estar organizada para saber educar e não para punir. Educar é no meu ver, querido trisavô, o elemento fundamental para a evolução do homem.
O que me irrita no meio disto tudo é a enorme hipocrisia, acentuada numa religiosidade desenquadrada no tempo e sem memória. Não vou, porque seria incapaz de julgar em momento algum, a fé de cada um, mas sinto uma enorme necessidade de questionar a igreja ( neste caso a católica) sobre a indescritível hipocrisia que tem acompanhado a sua (des) evolução histórica. Não vou sequer citar os escritos, ou passagens emblemáticas dos Evangelhos, mas fico irritado quando oiço os representantes da Igreja a julgar quem quer que seja.
Haverá morte mais inútil que aquela que provém de matar em nome de Deus?
Quantas mortes em nome de Deus, tem a Igreja penduradas na consciência?
Qual a moral da Igreja ( instituição) de condenar qualquer mulher ( seja Madalena ou outra) que opte por não prosseguir a vida que gera dentro de si?
Como pode a Igreja ter um discurso anti contraceptivo e depois condenar a interrupção involuntária da gravidez?
Pensará a Igreja que a relação sexual do homem é uma relação animal ( relação reprodutiva), ou uma relação de afectos?

Espero que entendas o quanto é difícil para mim ter certezas sobre este assunto, nem obviamente espero que esperes que eu tenha solução para ele. Não me sinto a pessoa mais indicada para apontar soluções, mesmo sendo Pai, julgo que a opção limite ( estou crente que qualquer opção de interromper a vida, é sempre uma solução limite ) passa sempre pela Mulher que a pratica. Não estou com isto a fugir ao problema ou a tentar lavar as mãos. O que pretendo realçar é que qualquer que seja o acto de consciência, a decisão de rotura é já em si uma enorme condenação afectiva e emocional, que se vive muitas vezes no silencia das lágrimas.
Não querendo encerrar o assunto, por ora, porque sem hora, fico-me por aqui, com um abraço do teu sempre amigo, e tris-neto,